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Americanas entra em recuperação judicial com dívidas de R$ 43 bilhões

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A Americanas entrou em recuperação judicial nesta quinta-feira (19), após ter o pedido, feito no mesmo dia, aceito em poucas horas pela Justiça. Com apenas R$ 800 milhões declarados em caixa, a varejista tem uma dívida de aproximadamente R$ 43 bilhões com 16,3 mil credores, configurando o quarto maior pedido de recuperação judicial da história do Brasil.

Pela manhã, a empresa havia comunicado ao mercado que poderia entrar com o pedido “nos próximos dias ou potencialmente nas próximas horas” —o que se confirmou pouco depois, em petição enviada à 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. O movimento rápido, sob pressão de bancos, sinaliza um processo de recuperação judicial turbulento, afirmam especialistas.

A Americanas afirma que “seguirá operando normalmente dentro das novas regras da recuperação judicial, cujo um dos objetivos principais é a própria manutenção de empregos, pagamento de impostos e a boa relação com seus fornecedores e credores e investidores de forma geral”.

Em resposta, as ações da empresa, que já vinham derretendo nos últimos dias, encerraram a quinta em queda de 42,52%, a R$ 1,00. Desde o estouro do escândalo contábil, na noite de quarta (11), os papéis da empresa caíram 91,6%.

A partir de agora, os credores não podem cobrar nada da empresa na Justiça. O juiz Paulo Assed Stefan, porém, fez uma ressalva em relação aos valores retidos pelo BTG, que foram alvo de disputa entre a varejista e o banco nos últimos dias. A Folha apurou que a decisão deixou o banco “aliviado”.

Para o juiz, o BTG tem direito a reter os R$ 1,2 bilhão na conta da Americanas junto ao banco, montante que havia bloqueado na quinta (12), antes de a varejista conseguir uma liminar na Justiça protegendo seus ativos, o que ocorreu na sexta (13).

O juiz, porém, entendeu que os bancos Votorantim, Bradesco, Safra e Itaú, que realizaram compensações em contas correntes ou de investimentos após a sexta (13), descumpriram a decisão obtida pela Americanas. De acordo com o magistrado, considerando a urgência da medida para preservar o fluxo de caixa, as instituições financeiras foram intimadas a devolverem os valores em até seis horas, sob pena de multa de 10% da cifra em questão.

“Trata-se de uma das maiores e mais relevantes recuperações judiciais ajuizadas até o momento no país, não só por conta do seu passivo, mas por toda a repercussão de mercado que a situação de crise das requerentes vem provocando e, por todo o aspecto social envolvido, dado o vultoso número de credores, de empregados diretos e indiretos dependentes da atividade empresarial ora tutelada, bem como o relevante volume de riqueza e tributos gerados”, diz o juiz Stefan, na sentença.

No ranking das maiores recuperações judiciais do país, antes da Americanas estão Odebrecht (R$ 80 bilhões), Oi (R$ 65 bilhões) e Samarco (R$ 55 bilhões). Depois da varejista, aparecem na lista Sete Brasil (R$ 19 bilhões) e OGX (R$ 12,3 bilhões).

Na petição apresentada nesta quinta, redigida pelos escritórios Basilio Advogados e Salomão Kaiuca Abrahão Raposo Cotta, a empresa afirma que vai apresentar seu plano de recuperação judicial dentro de 60 dias, a partir da aprovação do pedido. Os administradores judiciais serão a Preserva-Ação Administração Judicial e o escritório de advocacia Zveiter.

No pedido à Justiça, a Americanas começa dizendo que é um “motivo de orgulho para o povo brasileiro”, por ser uma varejista “quase centenária” (fundada em 1927, no Rio, por um quarteto de imigrantes americanos, daí o nome da rede), com muitos pontos de venda (3.600), que atendem mais de 50 milhões de consumidores e geram “mais de 100 mil empregos diretos e indiretos”. Além disso, também paga R$ 2 bilhões em tributos ao ano.

Também menciona o patrocínio ao reality show da rede Globo, Big Brother Brasil (BBB), programa do qual se tornou “parceira” nos últimos anos (mas abriu mão do apoio deste ano, que acabou ficando com a rival, Mercado Livre). E diz que muitos fornecedores dependem dela para continuar existindo.

A empresa ainda ressalta que “a crise do grupo pode afetar até mesmo o preço do ovo de Páscoa, pois se trata da maior varejista de ovos de Páscoa do mundo!”, afirma.

Ao falar dos credores, em especial os bancos, a varejista se coloca como vítima de um “verdadeiro ataque”, cujo cerne –a divulgação de “inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões”– ela afirma desconhecer.

“Tudo se deu pelo fato de a companhia ter revelado –ressalta-se, com transparência, coragem e lealdade incomuns–, ao mercado as inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta de ‘Fornecedores’, realizados em exercícios anteriores, incluindo o exercício de 2022. Ainda é cedo para precisar o que aconteceu e quem são os efetivos responsáveis por esse infortúnio”, afirmou.

A Americanas afirma que, de uma hora para a outra, seu caixa ruiu.

“Alguns poucos credores, sem pensar nos impactos para a coletividade, tomaram medidas precipitadas que culminaram no perigoso esvaziamento do caixa da companhia e, consequentemente, inviabilizaram a sua operação a curto prazo e uma solução negocial coletiva sem o remédio recuperacional”, diz.

VEJA A CRONOLOGIA DO ESCÂNDALO CONTÁBIL

O pedido de recuperação judicial acontece oito dias após o ex-presidente da empresa Sergio Rial assinar um comunicado ao mercado, no último da 11, em que revelava a existência de R$ 20 bilhões em “inconsistência contábeis” no balanço da varejista, verificados até o terceiro trimestre do ano passado. Os resultados financeiros da companhia referentes ao ano de 2022 estavam previstos para serem divulgados no próximo dia 29 de março.

Os R$ 20 bilhões estão relacionados à operação de “risco-sacado”, ou “forfait”, em que a companhia contrata instituições financeiras para fazerem o pagamento adiantado de fornecedores. A varejista assume a obrigação de pagar o banco, com juros, dentro do prazo combinado com fornecedores. Esse prazo, segundo apurou a Folha de S.Paulo, sempre foi muito mais estendido do que a média do varejo: 180 dias, ante 90 do habitual.

De acordo com fontes do mercado, a Americanas não incluía na sua contabilidade os juros dessa operação que deveria pagar aos bancos, o que tornava os seus resultados melhores do que realmente eram o que, consequentemente, beneficiava o valor das suas ações.

Junto com o anúncio do escândalo contábil, Rial informou que estava deixando a presidência da companhia, assim como o ex-diretor de relações com investidores da empresa, André Covre, para se tornar conselheiro dos acionistas de referência (Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles) que, até o final de 2021, eram os controladores da empresa.

João Guerra, ex-diretor das áreas de tecnologia e recursos humanos da varejista, assumiu o comando da Americanas interinamente.

A falta de uma capitalização robusta por parte desses acionistas de referência, a fim de salvar a empresa, foi a grande queixa dos credores junto à varejista, em todo o período de negociação que antecedeu o pedido de recuperação judicial.

Rial deu início à negociação com os bancos, que se indignaram com os indícios de fraude nos balanços. Temendo que seu crédito ficasse retido com as instituições financeiras, a Americanas entrou na sexta, 13, com um pedido de tutela de urgência cautelar junto à 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. Com isso, a empresa conseguiu impedir, pelo menos temporariamente, que seus ativos fossem bloqueados a pedido de credores.

A medida irritou em especial o BTG, que entrou com uma petição na Justiça para derrubar a liminar, chamando o trio dos principais acionistas de “fraudadores que dão ‘uma de maluco’”. Segundo o banco, a Americanas adota uma “narrativa canhestra e disléxica”, que “distorce por completo os limites e a finalidade do instituto da recuperação judicial, conferindo proteção legal, inclusive em caráter antecipado, a alguém que se tornou insolvente sponte propria [por vontade própria]por ter fraudado o mercado de crédito e o mercado de ações.”

Para evitar o desgaste de Rial —um ex-banqueiro, que comandou o Santander Brasil e se mantém como presidente do conselho de administração do banco—, e impedir conflitos de interesse, uma vez que o Santander é um dos credores da varejista, a Americanas chamou o banco Rothschild como interlocutor oficial para a renegociação da sua dívida local e internacional.

As conversas não evoluíram. Além de BTG, Bradesco e Itaú, outros bancos entraram na Justiça na tentativa de receber os valores devidos ou ter algum controle sobre os passos da Americanas.

Sem caixa, sem crédito na praça, a empresa decidiu, finalmente, fazer o pedido de recuperação judicial.

LEIA A ÍNTEGRA DO FATO RELEVANTE, ASSINADO PELO PRESIDENTE INTERINO DA AMERICANAS, JOÃO GUERRA:

“Americanas S.A. (“Americanas” ou “Companhia”), em atendimento ao disposto na Resolução CVM nº 44, de 23 de agosto de 2021, em continuidade aos Fatos Relevantes de 11, 13 e 19 de janeiro de 2023, vem informar aos seus acionistas e ao mercado em geral que ajuizou, nesta data, em conjunto com suas subsidiárias ST Importações Ltda, JSM Global S.Á.R.L. e B2W Digital Lux S.Á.R.L. (“Grupo Americanas”), pedido de recuperação judicial do Grupo Americanas perante a 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, nos termos da Lei nº 11.101/05.

A despeito dos esforços e das medidas que a administração vem tomando nos últimos dias, em conjunto com seus assessores financeiros e legais, para proteger a Companhia dos efeitos decorrentes da descoberta de financiamentos de compras da dimensão de R$ 20 bilhões não adequadamente refletidos nas demonstrações financeiras de 30/09/2022, considerando:

(i) os desafios da Companhia na interface com credores e fornecedores desde a ocorrência de tais fatos;

(ii) as necessidade de atendimento, de forma adequada e organizada, dos interesses de seus credores, acionistas e stakeholders;

(iii) que, na presente data, a posição de caixa disponível à Companhia reduziu-se sobremaneira; e, ainda,

(iv) a necessidade de preservação da continuidade da oferta de serviços de qualidade a seus clientes, dentro dos compromissos assumidos pela Companhia e da manutenção da continuidade de seu negócio e sua função social;

Os membros do Conselho de Administração da Companhia deliberaram, por unanimidade, aprovar, em caráter de urgência, a apresentação do pedido de recuperação judicial da Companhia, perante a 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, nos autos da Tutela de Urgência Cautelar em Caráter Antecedente Preparatória de Processo Recuperacional ajuizada em 12 de janeiro de 2023, ad referendum da Assembleia Geral de acionistas da Companhia, na forma do parágrafo único do artigo 122 da Lei nº 6.404/76 e da Lei nº 11.101/05 e demais disposições legais aplicáveis.

O total dos créditos listados nos documentos protocolados com o pedido de recuperação judicial soma, nesta data, aproximadamente R$ 43 bilhões.

A administração da Companhia pretende tomar as providências e adotar os atos necessários à efetivação do pedido de recuperação, em todas as jurisdições nas quais tais medidas sejam necessárias.

A Companhia continuará envidando esforços para prestar um serviço amplo à população, com um compromisso social forte de levar produtos acessíveis aos seus 53 milhões de clientes.

Para tanto, o grupo de acionistas de referência da empresa informou ao Presidente do Conselho de Administração que pretendem manter a liquidez da companhia em patamares que permitam o bom funcionamento da operação de todas as lojas, do seu canal digital, –americanas.com– , da Ame e suas demais coligadas.

A Companhia manterá seu esforço na busca por uma solução com os seus credores, para manter seu compromisso como geradora de milhares de empregos diretos e indiretos, amplo impacto social, fonte produtora e de estímulo à atividade econômica, além de ser uma relevante pagadora de tributos.

O pedido de recuperação judicial será submetido à ratificação da Assembleia Geral da Companhia, a ser oportunamente convocada. Os documentos exigidos pela Lei nº 6.404/76 e pelas normas da CVM aplicáveis relacionados à matéria objeto deste Fato Relevante, inclusive a petição pela qual foi formulado o pedido de recuperação judicial, encontram-se à disposição dos acionistas no website da Companhia (https://ri.americanas.io/).

Cópia desse material também está disponível no Sistema Empresas.NET da CVM (https://www.gov.br/cvm/pt-br), além do website da B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (https://www.b3.com.br/pt_br/).

A Companhia reafirma a confiança que tem em sua capacidade operacional e comercial para que seja bem-sucedida na proposição e aprovação de um plano de recuperação que permita ganho de valor para a Companhia e seus stakeholders e mantenha o alto nível de experiência de seus consumidores e parceiros.

A Companhia manterá seus acionistas e o mercado em geral atualizados acerca dos assuntos objeto do presente Fato Relevante.”

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